
Para o Times Literary Supplement, George Steiner leu O ano da morte
de Ricardo Reis como um romance que nos apresenta uma Lisboa viciante e viciada, “um romance político importante, que também lança uma
luz aguda sobre um dos temas mais antigos e aparentemente mais comuns: as aproximações
entre a criação poética e a morte”¹. O romance em questão havia sido publicado
em 1991 em língua inglesa com tradução de Giovanni Pontiero.
Da parte do
escritor português, verifica-se que seu contato (pela leitura) com Steiner
vinha de longe. Numa das entradas para os seus diários, comenta sobre um livro
de Ignacio Echevarria sobre o crítico – George Steiner en diálogo con Ramin
Jahanbegloo (1994): “Não conheço com suficiência bastante a obra de Steiner
para confrontar pontos de vista meus com os de Echevarria. Em todo caso,
parece-me redutora e parcial uma leitura que atribui a Steiner o propósito de recuperar
o sentido perdido do mundo ‘através da experiência estética, da restituição de
uma transcendência que emana da experiência estética, da restituição de uma
transcendência que emana da obra de arte’. Bem ingénuo seria Steiner, acho eu, se
pusesse na experiência estética, por mais sublime que ela fosse, as esperanças que
tenha (se é que as tem) de dar sentido a um mundo que ele próprio declara ter
já deixado de ser seu. Nem vejo como se transitaria da percepção de uma suposta
transcendência de raiz estética àquilo que, no fim de contas, é o motivo condutor
do pensamento de Steiner, condensado nestas suas palavras: ‘Todas as minhas
categorias são éticas.’ Partindo daqui, creio que se tornam claras as razoes
por que George Steiner se considera a si mesmo um ‘sobrevivente’, razoes que
serão semelhantes, se não analiso mal, às que julgo ter encontrado em Sábato,
semelhantes também às de Leonardo Sciascia, semelhantes ainda às de Günter Grass...
Afinal, talvez o mundo devesse dar um pouco mais de atenção ao que ainda têm
para dizer-lhe os ‘sobreviventes’. Antes que se acabem...”²
Noutra
ocasião, agora para The New Yorker, o crítico franco-estadunidense citou
outra vez O ano da morte de Ricardo Reis como “um dos maiores romances
da literatura europeia recente” e, na mesma ocasião, emendou que “nada de tão
apurado se escreveu sobre Pessoa e seus tons contraditórios”³. Saramago recorta
a passagem do texto em questão nos seus Cadernos de Lanzarote e afirma sobre
seu distanciamento físico de Steiner: “não conheço George Steiner, nunca o vi,
nunca lhe falei, enfim, estou inocente...” Quando morreu, em 2010, entre as coisas
mais próximas às leituras possíveis de José Saramago estavam os textos que Steiner
havia publicado nessa revista.
Mas, de George Steiner, a simpatia pareceu se apagar apenas em torno d'O ano da morte de Ricardo Reis. Muitos anos mais tarde, já sem a presença do seu autor, o crítico colocou o dedo na suposta rivalidade entre o escritor Prêmio Nobel de Literatura e António Lobo Antunes, redizendo que aquele não era o maior escritor português da atualidade e sim o autor de As naus. Em matéria para a revista Ler, confessou que o maior galardão das letras devia ter sido partilhado entre os dois escritores.
Frequentemente
lembrado como reformista do papel do crítico, George Steiner deixou vasta obra
no ensaio, teoria e romance. O franco-americano escreveu extensivamente sobre a
relação linguagem, literatura e sociedade e as implicações do Holocausto. Foi
professor de Inglês e Literatura Comparada na Universidade de Genebra, Oxford e
Poesia na Universidade de Harvard. Da sua obra, chegou ao Brasil títulos como Nenhuma
paixão desperdiçada, Lições dos mestres, Tigres no espelho e
outros textos da revista The New Yorker, No castelo do Barba Azul, A
morte da tragédia, Tolstói ou Dostoiévski e Aqueles que queimam
livros, o mais recente traduzido por aqui. George Steiner nasceu em
Neuilly-sur-Seine, na França, em 1919; vivia em Cambridge, no Reino Unido.
.
¹ A tradução
livre é do excerto exposto na capa da edição estadunidense de O ano da morte
de Ricardo Reis: “This is major political novel, which also throws a sharp
light on one of the oldest and apparently most eroded of themes: the intimacies
between the creation of poetry and death.”
² O excerto
é da entrada para o dia 8 de janeiro de 1995, copiada nos Cadernos de
Lanzarote. Diário 3 (Companhia das Letras, 1997, p.453).
³ O excerto
é do texto “Foursome”, publicado em The New Yorker a 8 de janeiro de
1996. A passagem seguinte está nos Cadernos de Lanzarote. Diário 4
(Companhia das Letras, 1999, p.12).
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